quinta-feira, 27 de outubro de 2011

A verdade sempre liberta (José Serra)

Nota: restransmito o artigo a seguir do sr. José Serra por considerá-lo equilibrado, importante e pertinente ao momento histórico em que vivemos. Há os que discordem das visões políticas desse senhor, mas não há como discordar da validade de seus argumentos neste artigo.

A verdade sempre liberta
José Serra
Disponível em http://www.joseserra.com.br/archives/artigo/a-verdade-sempre-liberta e publicado em O Globo em 25/10/2011.

"Tendo encarado a besta do passado olho no olho, tendo pedido e recebido perdão e tendo feito correções, viremos agora a página – não para esquecê-lo, mas para não deixá-lo aprisionar-nos para sempre." – Desmond Tutu

Está na reta final o debate no Congresso sobre a Comissão da Verdade, cuja missão será também elucidar o destino dos brasileiros que desapareceram na resistência, armada ou não, à ditadura. É justo que suas famílias e amigos recebam do Estado a explicação definitiva sobre os fatos, a ser registrada pela história. Pois, se governos mudam, o Estado é um só, há uma linha de continuidade institucional.

O projeto da Comissão da Verdade ficou empacado por um bom tempo, por causa de erros cometidos pelo governo anterior. Misturaram-se três assuntos: o direito à verdade propriamente dita, o sacrifício de pessoas inocentes em ações das organizações armadas que contestavam o regime e o desejo de responsabilizar criminalmente os agentes desse regime envolvidos na violência contra a oposição da época. Um desejo que não encontra sustentação legal. Neste caso, o impasse só foi superado depois que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela vigência da Lei de Anistia de 1979, considerando que ela foi recepcionada pela Constituição.

A Lei de Anistia foi uma conquista das forças democráticas, foi arrancada do regime militar após uma ampla mobilização política e social. E é também produto da sua época e da correlação de forças daquele momento. O STF julgou bem, ao não desfazer aquele acordo, que, no balanço final, foi positivo para o Brasil, permitindo uma transição menos atribulada para a democracia. No trade-off, o país saiu ganhando.

A anistia acabou permitindo uma reconciliação verdadeira. Diferentemente de outros países, evitamos aqui alargar o fosso entre o corpo militar e a sociedade. E Forças Armadas respeitadas, coesas e integradas à institucionalidade democrática são um pilar fundamental da estabilidade e da afirmação nacionais. É importante que a Comissão da Verdade, agora em debate no Senado, com a competente relatoria do senador Aloysio Nunes, do PSDB, cujo substitutivo melhora o projeto saído da Câmara, parta das premissas certas.

Seu objetivo não deve ser promover um ajuste de contas parajudicial com personagens do passado. Isso, aliás, cairia facilmente na Justiça. Muito menos deve se deixar atrair pela tentação de produzir uma história oficial. Ou uma narrativa oficial. Precisará, isto sim, concentrar todas as energias na investigação isenta e objetiva. E não na interpretação.

Para tanto, é preciso garantir a ela uma composição pluralista, o que deveria ser de interesse do próprio Executivo, pois seria péssimo se a Comissão da Verdade tivesse seu trabalho questionado por abrir as portas ao facciosismo, à parcialidade e ao partidarismo. É ilusão imaginar que um assunto assim poderia ficar livre de olhares político-partidários, mas é importante minimizar o risco. E para isso a pluralidade é essencial.

Tampouco será o caso de transformar a comissão em órgão certificador de papéis históricos. Não caberá a ela fazer o juízo de valor sobre cada personagem. Seria uma espécie de crueldade pretender realizar a posteriori o julgamento histórico-político de cada ator da época. Sabe-se que o homem é ele mesmo e suas circunstâncias. O comportamento sob tortura, apenas como exemplo, jamais poderá ser objeto de juízo moral posterior. Sob pena de estimular a inversão de papéis e a execração das vítimas.

No fim dos anos 60 e começo dos anos 70 do século passado, o Brasil foi palco de variadas formas na luta contra o regime. Cada um de nós é livre para olhar aquele período e concluir o que foi certo e o que não foi na resistência à ditadura. É um olhar político. E é natural que cada um enxergue o passado à luz de suas convicções atuais. O complicador aparece exatamente aqui: as convicções atuais são também fruto da experiência acumulada, incluindo os erros passados.

Não se trata aqui de ceder ao relativismo, mas deixar cada um com o seu papel. As instituições fazem o seu trabalho e os historiadores fazem o deles. Parece-me uma boa divisão de tarefas.

Por último, reitero uma convicção que já expressei em público. É fundamental para qualquer país não ter medo do passado. A transparência sobre acontecimentos recentes é importante para construir uma sociedade ainda mais democrática. O exemplo a seguir poderia ser o da Comissão de Verdade e Reconciliação da África do Sul. As palavras do grande bispo Desmond Tutu, presidente dessa comissão, deveriam servir de guia para todos que queiram, com sinceridade, enfrentar os desafios do presente.

domingo, 11 de setembro de 2011

Desejo

Caríssimos

Passo a assinar os poemas que de vez em quando componho e compartilho
com vocês. Quando lerem algo assinado por "Nada", saibam que é uma
idéia minha que veio ao mundo. Passem para quem quiserem

Desejo
por Nada

Aquece-me saber que a dor colore teus desejos
Penetra fundo na fonte secreta dos teus anseios
Adentrando-me no mistério sagrado da longa noite
torturando-me com tua nua silhueta como açoite

Segue minha mente caindo suave por tuas curvas
Petiscando com os olhos e a língua tuas arguras
Sentindo apenas com a pura mente teu único gosto
Com carícias que correm a muito além de seu rosto

Segue meu desejo incasto de brindá-la com os dedos
De um enlevo nascido do fundo de teus desejos
Tua solidão, minha vontade, nossa profunda lascívia

Penso mais do que com os dedos tocá-la no íntimo
Mas de tal desejo dispo-me triste em um átimo
Por saber que jamais tal graça tu me concederias

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Nota de Esclarecimento: atuação da Polícia Federal no Brasil

Fonte: http://www.adpf.org.br/Entidade/492/Banner/?ttCD_CHAVE=146149 (acessada em 16/08/11 às 23:29:33)


Nota de Esclarecimento: atuação da Polícia Federal no Brasil

12/08/2011 - 18:31


A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal vem a público esclarecer que, após ser preso, qualquer criminoso tem como primeira providência tentar desqualificar o trabalho policial. Quando ele não pode fazê-lo pessoalmente, seus amigos ou padrinhos assumem a tarefa em seu lugar.

A entidade lamenta que no Brasil, a corrupção tenha atingido níveis inimagináveis; altos executivos do governo, quando não são presos por ordem judicial, são demitidos por envolvimento em falcatruas.

Milhões de reais – dinheiro pertencente ao povo- são desviados diariamente por aproveitadores travestidos de autoridades. E quando esses indivíduos são presos, por ordem judicial, os padrinhos vêm a publico e se dizem " estarrecidos com a violência da operação da Polícia Federal". Isto é apenas o início de uma estratégia usada por essas pessoas com o objetivo de desqualificar a correta atuação da polícia. Quando se prende um político ou alguém por ele protegido, é como mexer num vespeiro.

A providência logo adotada visa desviar o foco das investigações e investir contra o trabalho policial. Em tempos recentes, esse método deu tão certo que todo um trabalho investigatório foi anulado. Agora, a tática volta ao cenário.

Há de chegar o dia em que a história será contada em seus precisos tempos.

De repente, o uso de algemas em criminosos passa a ser um delito muito maior que o desvio de milhões de reais dos cofres públicos.

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal colocará todo o seu empenho para esclarecer o povo brasileiro o que realmente se pretende com tais acusações ao trabalho policial e o que está por trás de toda essa tentativa de desqualificação da atuação da Polícia Federal.

A decisão sobre se um preso deve ser conduzido algemado ou não é tomada pelo policial que o prende e não por quem desfruta do conforto e das mordomias dos gabinetes climatizados de Brasília.

É uma pena que aqueles que se dizem "estarrecidos" com a "violência pelo uso de algemas" não tenham o mesmo sentimento diante dos escândalos que acontecem diariamente no país, que fazem evaporar bilhões de reais dos cofres da nação, deixando milhares de pessoas na miséria, inclusive condenando-as a morte.

No Ministério dos Transportes, toda a cúpula foi afastada. Logo em seguida, estourou o escândalo na Conab e no próprio Ministério da Agricultura. Em decorrência das investigações no Ministério do Turismo, a Justiça Federal determinou a prisão de 38 pessoas de uma só tacada.

Mas a preocupação oficial é com o uso de algemas. Em todos os países do mundo, a doutrina policial ensina que todo preso deve ser conduzido algemado, porque a algema é um instrumento de proteção ao preso e ao policial que o prende.

Quanto às provas da culpabilidade dos envolvidos, cabe esclarecer que serão apresentadas no momento oportuno ao Juiz encarregado do feito, e somente a ele e a mais ninguém. Não cabe à Polícia exibir provas pela imprensa.

A ADPF aproveita para reproduzir o que disse o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos: "a Polícia Federal é republicana e não pertence ao governo nem a partidos políticos".


Brasília, 12 de agosto de 2011


Bolivar Steinmetz

Vice-presidente, no exercício da presidência

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

"SEXO E PODER: A FACE ERÓTICA DA DOMINAÇÃO"! (publicado originalmente no Ex-Blog do Cesar Maia, edição de 08/08/2011)

Nota: a análise do sr. Mantega (retransmitida pelo Ex-Blog) parece fundamentada naquela máxima hipnopédica, "todo mundo pertence a todo mundo" - que aliás é um dos pilares fundamentais da sociedade do Admirável Mundo Novo. Conhecemos muito bem como se estruturaria, funcionaria e seria uma sociedade como essa imaginada por Huxley, e, sinceramente, não me surpreende que um dos grandes nomes do Partido dos Trabalhadores proponha esse tipo de coisa. Querer discriminar o sexo fora do matrimônio ou (como se quis em uma certa cartilha) desconstruir a família tradicional é o primeiro passo para a implantação de um totalitarismo alienador nos piores moldes daqueles imaginados por pessoas como Mustafa Mond.

"SEXO E PODER: A FACE ERÓTICA DA DOMINAÇÃO"!
                                   
GUIDO MANTEGA, Cadernos do Presente 3, editora brasiliense.
                    
1. "Para W. Reich, a repressão da sexualidade está a serviço das sociedades autoritárias. Foucault sustenta que o capitalismo avançado espalha o sexo e aumenta seu poder através dele. Enfim, alude-se a uma faceta do poder que não costuma ser abordada nos manuais de ciência política. Trata-se de um poder invisível, subterrâneo, que age na penumbra, e pode ser tão eficiente quanto a polícia ou as instituições judiciárias."
                    
2. "Um orgasmograma (inventado para medir a intensidade do prazer), nem se moveria diante da árdua labuta do camponês, enquanto chegaria rapidamente ao ápice no caso de uma relação sexual. Porém o orgasmo sexual tem vida efêmera, se bem que possa ser prolongado por uma atmosfera que estique as sensações agradáveis. Imagine-se agora uma nova forma de trabalho (diferente do trabalho alienado), escolhida e exercida com gosto. Aí, o orgasmograma poderia acusar uma satisfação menos concentrada, porém muitas vezes mais duradoura."
                   
3. "Atualmente, boa parte da população é mantida na miséria para ser obrigada a trabalhar e, assim, preservarem-se os interesses do sistema de dominação. Essa carência artificialmente mantida exige que a civilização exerça um grau de repressão sobre os instintos de prazer, perfeitamente dispensável caso o potencial acumulado fosse direcionado para o sustento da humanidade."
                    
4. "Na verdade, a relação afetiva ou sexual moderna, sofre uma limitação básica que a esteriliza no seu nascedouro. Pois é uma relação exercida por indivíduos fabricados pelo capitalismo, isto é, por homens individualistas, competitivos, egocêntricos, desconfiados dos outros e de si mesmos; e por tudo isso, incapazes de uma comunhão humana solidária. Nessas condições, o ato sexual fica compartimentado; dá-se entre um sujeito e um mero objeto. Nesse contexto, pouco adianta multiplicar as posições sexuais, ou inventar novos jogos amorosos, sem alterar substancialmente a qualidade das relações."
                    
5. "Então a luta deve dirigir-se não apenas contra o inimigo externo (imperialismo americano, alemão, etc.), como também deve centrar-se sobre o invisível alvo interno, tão perigoso quanto a águia americana. A instauração de uma ordem política mais livre e igualitária deve ser acompanhada pela caça ao autoritarismo em todos os seus redutos. Este deve ser desmascarado enquanto racismo, enquanto restrições sexuais (discriminando relações fora do "matrimônio", o sexo das crianças, o homossexualismo, etc.), machismo, etc."

domingo, 31 de julho de 2011

Apresentação do Projeto Admirável Mundo Novo nas Escolas (versão 0.1)

Caríssimos


Esta é a apresentação de um projeto que estou escrevendo para a área de educação, Admirável Mundo Novo nas Escolas. Gostaria de tornar meus esboços públicos, na esperança de melhorá-lo com as críticas construtivas e os incentivos que porventura venha a receber. Grato desde já.


Apresentação do Projeto Admirável Mundo Novo nas Escolas


Arrisco dizer que vivemos em uma sociedade pós-fordismo. Suas estratégias para o crescimento econômico e o bem-estar material das pessoas parecem ter sido esgotadas por sucessivas crises financeiras e pela necessidade de mão de obra altamente qualificada capaz de lidar com as novas tecnologias associadas à produção de bens. Desprovido de suas estruturas mais vitais, a saber, trabalhadores pouco qualificados e com a remuneração suficiente para consumir o fruto de seu labor, o atual sistema de produção – e por extensão todo o capitalismo desenvolvido nos moldes da primeira metade do século XX – dá sinais claros de não ser capaz de atender a demanda da cada vez maior e mais empobrecida população mundial. A carestia dos recursos mais essenciais assoma-se como realidade iminente para os próximos trinta anos, ou talvez menos. A crise é iminente, e sinais claros, como o aumento de mais de 200% nos preços de muitos itens da cesta básica brasileira em menos de dez anos, são visíveis a olhos nus.

Se o passado próximo nos permite fazer inferências sobre o futuro próximo, como afirmou Aldous Huxley em seu prefácio ao livro Admirável Mundo Novo, é válido supor que estamos na iminência da ascensão de regimes totalitários e arbitrários estruturados ao redor de algum líder carismático, demagogo e ideologicamente avesso às liberdades humanas mais essenciais – notadamente àquelas relacionadas às faculdades de discordar e compreender. A Alemanha no pós-Primeira Guerra Mundial e os países do mundo árabe (especialmente a Líbia de Muammar al-Gaddafi1) são os exemplos mais gritantes do risco que a sociedade sofre em tempos de crise, mas não precisaríamos ir muito longe para testemunhar a escalada de oportunistas desse tipo ao poder. A Venezuela de Chávez, a Argentina dos Kirchner, a Honduras de Zelaya e o Brasil do Partido dos Trabalhadores, para citar apenas alguns exemplos, são palcos nos quais se desenrolam dramas mais ou menos intensos sobre o assalto e o achincalho às liberdades essenciais do pensamento, da aquisição de conhecimento e de expressão.

Neste cenário – a falência de nosso modelo econômico e a possível ascensão de tiranos mais ou menos sutis ou brutais ao poder – a educação adquire uma importância muito maior do que a normalmente percebida. Cabe ao educador um papel central, a saber, corroborar o discurso pseudoideológico do candidato a demagogo carismático ou alertar seus educandos dos riscos existentes em tal canto de sereia. É nesse momento que cabe ao professor refletir seriamente sobre suas crenças, seus objetivos e suas aspirações para o futuro, e também sobre o processo educativo – do qual ele é o agente imediato. Ele precisa encontrar uma resposta clara e distinta para a pergunta "para que educar?" tão antiga em sua profissão, mas mais do que nunca basal e impossível de ser ignorada. Qualquer que seja a resposta, esta terá fortíssima influência sobre seus educandos e sobre o papel que o educador assumirá nestes tempos tenebrosos, pois essa pergunta, hoje, é equivalente a "para quem educar?"

É válido, creio, objetar neste ponto que não é possível fazer uma escolha sem o conhecimento de todas as variáveis e condições envolvidas. Por definição, não é possível recorrer à História oficial para levantar informações sobre como era a vida das pessoas sob um tal tipo de governo – adulteração de arquivos oficiais parece ser um passatempo estimado por todos os governantes que por alguma razão apoiam-se em métodos similares aos considerados nos parágrafos anteriores. Uma vez mais evocando o passado próximo para encontrar respostas e estimativas sobre o futuro próximo, e na impossibilidade de recorrer a eventos reais, precisamos lançar mão de cenários ficcionais que descrevam governos totalitários cuja origem histórica tenha sido um cenário semelhante ao atual. Precisamos compreender a distopia fictícia para impedir que ela se torne real.

De todas as ficções distópicas acredito que Admirável Mundo Novo, do já citado A. Huxley, seja a que mais se assemelhe aos nossos dias. Felizmente não temos acesso a recursos como hipnopédia, condicionamento de fetos e sistema científico de castas, mas vivemos em uma sociedade que presta culto ao prazer imediato e desdenha – não oficialmente, é verdade, mas a desdenha sutil é muito mais danosa que o desprezo aberto – de valores tradicionais como conhecimento, religião e família. Os trabalhadores de nossa sociedade recebem cada vez menos informação que não seja relacionada com seu ofício, e mesmo nas classes mais altas verifica-se a redução do gosto pelas artes nobres da humanidade. Pensar tem se tornado anátema, o pensador um herege ou, mais apropriadamente, um portador de doença altamente contagiosa e sem cura conhecida, tal como a hanseníase nos anos medievais.

Escolher adotar Admirável Mundo Novo como a base deste projeto obedeceu outros critérios além da verossimilhança e do paralelismo com a realidade. Em 2009, creio, dois anos no passado do momento em que este projeto é escrito, o livro foi reeditado com preço surpreendentemente acessível e em formato de bolso – o que permitiria que os alunos o comprassem e o lessem nas horas vagas. Outro fator foi a facilidade de leitura e de acesso: sempre considerei 1984 uma leitura difícil para pessoas que quase não leem, a triste realidade de quase todos os meus alunos, e o livro está quase quatro vezes mais caro do que Admirável Mundo Novo. Ademais, eu já havia trabalhado a Revolução dos Bichos de Orwell com eles, e percebi que uma tal mudança seria de bom tom.

Através do paralelo entre o Estado Mundial fictício e nossa realidade os alunos poderão compreender o perigo que se esconde atrás de títulos como "pai dos pobres" e "libertador". Muitos deles não têm outros meios além da escola para ter acesso ao mundo muito maior e muito mais amplo que reside além de suas preocupações cotidianas, e acredito ser covardia e desonroso negar-lhes as chaves que abrem as portas desse admirável mundo (para eles) novo, e acredito ser indigno do epíteto de educador todo aquele que se propõe a servir de instrumento a serviço do discurso pseudoideológico do tirano carismático que apenas aguarda a crise para ascender soberano. Como diz uma famosa canção, e como os alunos deveriam poder dizer de seus verdadeiros educadores, "eles me deram as chaves que abrem essa prisão".

1Escolhi esta latinização, e não a adotada oficialmente pela mídia brasileira, por ser a preferida pelo governador da Líbia.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Nota de Repúdio à OAB

Caros Leitores

Eu, Luís Fernando Carvalho Cavalheiro, venho a público para manifestar meu repúdio à Ordem dos Advogados do Brasil por terem apoiado a não-extradição e a soltura do terrorista italiano Cesare Battisti (leia a nota da OAB apoiando a soltura de um terrorista em http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=22111). Isso não é questão de "soberania nacional", como Ophir Cavalcante, presidente nacional da OAB, idiotamente afirmou, mas este é o momento para nosso país se afirmar como inimigo da violência como prática política de partidos ou de Estados. Mas o que esperar de um país governado por um partido de  ex-terroristas senão apoio a terroristas? O que esperar de um país aliado a Hugo Chavez algo que não seja um apoio brando à al-Gaddafi? Que Deus (palavra maldita para esses terroristas de fundo comunistas, mas sagrada para os homens de bem que ainda restam em nosso país) nos ajude.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

A concepção de pessoa como indivíduo em Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes

A concepção de pessoa como indivíduo em Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes

Autor: Luís Fernando Carvalho Cavalheiro (contatoalunos@profcavalheiro.com)
Licenciado em Filosofia pela UERJ

Introdução


O fim da Idade Média trouxe consigo novas formas de examinar antigas questões e novas concepções de mundo que encontraram acabamento ao longo dos anos da chamada Idade Moderna. Muitos fatos importantes aconteceram nesta época, como as grandes navegações, o Renascimento, a Reforma Protestante, a formação das principais monarquias nacionais, e é defensável atribuir essas mudanças a uma nova postura filosófica, a uma mudança nos paradigmas aceitos durante o período anterior. Algumas mudanças foram mais lentas que outras, assim como as regiões mais periféricas não experimentaram o sabor dos novos tempos (vide, como exemplo, que a Rússia tornou-se uma nação considerada moderna apenas sob Pedro II, no século XVIII), mas o período foi marcante para a história do pensamento ocidental.

Uma dessas mudanças de paradigma foi com relação ao homem. Antes encarado como criatura dependente de seu Criador celestial, a Idade Moderna trará a "emancipação" do homem na medida em que cada vez mais vai trazê-lo ao centro de suas teorias e de seus paradigmas e colocá-lo como fator fundamental. Haja vista o cogito cartesiano, que subordina a existência de todas as coisas – inclusive a de Deus – ao "eu penso" do indivíduo. Mas é na filosofia política que a nova concepção de homem se mostra mais evidente. Pela primeira vez em séculos, o homem é analisado não como objeto de sua crença religiosa, tal como fez, entre outros, São Tomás de Aquino – isto é, não como um ser criado para ser naturalmente bom mas que perdeu inúmeras condições extremamente vantajosas por um deslize de seu progenitor – mas a partir de sua vida em contato com outros homem. A mudança se percebe até mesmo no linguajar empregado pelos pensadores, que passam a fazer uso das palavras cidadão e indivíduo, querendo indicar o vínculo intrínseco que o homem possui com a sociedade à qual pertence ou afirmar a singularidade de cada homem em comparação aos outros que são meramente seus semelhantes.

Apesar de o período ter sido bastante generoso com relação ao número de filósofos que se ocuparam de questões relacionadas ao homem, suas sociedades e seus Estados, neste escrito abordaremos os dois autores trabalhados ao longo do curso de "História da Filosofia Moderna II" ministrado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro pelo professor doutor Marcelo de Araújo: Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel. Será analisada que concepção de pessoa como indivíduo que pode ser extraída das mais conhecidas obras de cada um destes autores: O Príncipe, de Maquiavel; e Leviatã, de Hobbes. Após a apresentação da concepção de pessoa como indivíduo em cada autor, elas serão comparadas em uma conclusão de caráter pessoal sobre o tema.


O Príncipe: antes parecer justo sem o ser que prejudicar-se por ser justo


Nicolau Maquiavel escreveu O Prínicipe para Lourenço de Médici, chamado pela História de "o Magnífico", e o ofereceu como sendo um curso rápido sobre como se deve governar qualquer território. Ele analisa diversos exemplos, tanto históricos quanto atuais na época, acrescentando sempre sua opinião sobre cada fato observado. Não sem razão, O Príncipe é considerado por muitos como sendo até hoje um excelente manual que ensina como governar, e mais de um político famoso já admitiu ter o livro em sua cabeceira.

Mas o que nos interessa aqui não são diretamente as regras que Maquiavel estabeleceu, mas a concepção de pessoa que transparece ao longo da obra. Ele não se ocupa em escrever parágrafos ou capítulos dizendo o que é o homem, nem como entendê-lo – pelo contrário, ele assume isso como um fato já dado de antemão e muito bem conhecido pelo seu leitor. A maneira como ele compreende o indivíduo é bastante peculiar, e, ouso dizer, resultado direto tanto de sua "grande e contínua má sorte"1 quanto da situação política da Itália naquele período histórico. Talvez a visão de Maquiavel sobre o que é o indivíduo tenha contribuído, mais do que os conselhos dados ao governante ao longo da obra, para a caracterização do adjetivo "maquiavélico", presente em diversos idiomas com o significado de "inescrupuloso".

A partir da leitura de O Príncipe podemos admitir que Maquiavel figura o homem como mesquinho, covarde, egoísta e mau. Em vários trechos ele recomenda expressamente ao príncipe que é preferível parecer virtuoso a sê-lo, caso o exercício da virtude seja prejudicial ou oneroso a este. Em outras passagens, ele considera o homem naturalmente inclinado para o mau, e por isso mesmo praticar as virtudes aclamadas como boas por todos os homens fatalmente conduziria à ruína qualquer um que o fizesse. Percebe-se aqui uma retomada de algumas idéias dos sofistas e estóicas sobre a natureza humana, pois se abandona a concepção cristã de homem (ser criado à imagem e semelhança de Deus, portanto naturalmente bom e inclinado às boas virtudes) em favor de uma visão menos idílica: o homem é mesquinho e mau, e elogia a virtude apenas para que outros a pratiquem e se arruínem. Mas essas conclusões são bastante influenciadas pelas análises de Maquiavel, que demonstram como a prática de determinadas virtudes pode se voltar contra o príncipe, e que por isso mesmo é melhor parecer possuí-las sem de fato o fazer.

A partir dessa concepção de natureza humana podemos entender agora a visão de indivíduo empregada por Maquiavel em O Príncipe – ou melhor, a visão de cidadão, que é a palavra usada por ele ao longo da obra. Sendo o cidadão naturalmente egoísta e voltado para seus interesses particulares, o príncipe se quiser governar precisa ganhar os favores de seus súditos – isto é, dos cidadãos subordinados a ele – ou enfrentará conseqüências nada agradáveis. Ou seja: o poder do príncipe deixou de ter origem divina, como defenderam os filósofos medievais, mas advém dos cidadãos subordinados a ele, que podem destroná-lo ou chamar um poder estrangeiro para fazê-lo caso não se sinta satisfeito com o seu governo. O príncipe possui poder para governar apenas enquanto seus súditos fizerem a concessão de tal poder para ele – ou melhor: o cidadão é, em última análise, a fonte do poder do príncipe. Maquiavel não explica como se dá essa concessão, nem mesmo reconhece essa transferência de poder como sendo uma concessão: na verdade, ele afirma que enquanto os súditos sustentarem o poder do príncipe este será imorredouro – o vocabulário contratualista deverá esperar até Thomas Hobbes para consolidar-se.

O cidadão configura-se ainda como indivíduo dotado de direitos, assegurados a ele pelas leis, e em mais este ponto o príncipe deve ser cauteloso: leis injustas podem provocar uma reação por parte de seus súditos proporcional à injustiça da lei. Para Maquiavel isso é mais evidente nas repúblicas do que nos principados, mas mesmo um príncipe pode ter que encarar uma rebelião se seus súditos não se sentirem satisfeitos. O príncipe não governa senão pelo favor ou pelo temor de seus súditos, e deve ter isso sempre em mente – mais do que isso: Maquiavel deixa subentendido, em uma leitura possível de sua obra, que é preciso temer os súditos. Tudo fica mais complexo ainda se considerarmos que para o autor governar é ter que administrar os interesses individuais de cada cidadão, que nem sempre são os mesmos.

Em resumo: o cidadão em O Príncipe é um indivíduo mesquinho, egoísta e covarde, que concede ao príncipe o poder para governar enquanto lhe convier, e a qualquer momento em que sinta que seus interesses estejam sendo prejudicados o cidadão pode retirar esse apoio ao príncipe. O cidadão é, portanto, a base e o sustentáculo do poder do príncipe, que não poderá governar de forma alguma – a não ser muito dispendiosamente – sem o apoio deles. Sem o cidadão não há o principado, visto que príncipe nenhum durará em um território que lhe seja hostil a não ser pelo uso da força.


Leviatã: o homem é o lobo do homem


Thomas Hobbes escreveu o Leviatã como sendo um tratado de Filosofia em geral, desde as instâncias da razão até a teologia. Assim sendo, é natural que ele tenha se dedicado às questões relacionadas ao Estado, ao homem enquanto pertencente a uma sociedade e por que o soberano governa. Hoje em dia seu livro é reconhecido sobretudo por esta parte, já que ele foi o primeiro a falar abertamente em termos de um contrato social, um acordo entre indivíduos visando a obtenção dos objetos de desejo de cada um deles, e também por causa da visão extremamente pessimista de natureza humana que ele adotou.

Grande parte do reconhecimento de Hobbes se deve à metodologia empregada para explicar a origem do Estado e da sociedade: ele faz uma demonstração por indução sobre o indivíduo. Para ele, anteriormente ao Estado e à sociedade existem os indivíduos, sem nenhuma ligação entre si, dotados apenas de um direito, de fazer o que for preciso para manterem-se vivos, e obrigados a apenas uma lei, a de não fazer nada que prejudique seu bem-estar. Nestas condições é fácil imaginar como a vida de cada indivíduo deve ser penosa: ele deve fazer, construir ou criar tudo aquilo que for necessário para a sua sobrevivência e deve ainda se precaver do assalto ou de agressões de outros indivíduos que intentem lhe tomar as posses. É um estado de desconfiança generalizada, pois se qualquer um pode fazer o que for preciso para sobreviver isso pode incluir matar ou escravizar, entre outros fins menos agradáveis.

É interessante notar como Hobbes considera os indivíduos dotados das mesmas capacidades, ainda que ligeiramente diferentes entre si. Usando o exemplo do qual ele se vale no capítulo XIII do Leviatã, um homem mais fraco pode matar um homem mais forte se para isso recorrer a expedientes como a traição, a trapaça, a maquinação, etc. Os homens são iguais em potência (para usar um termo escolástico que, ainda que não apareça neste trecho da obra de Hobbes, serve muito bem), limitados todos pela mesma lei e dotados todos do mesmo direito. Ao mesmo tempo os homens são iguais nas fraquezas, pois se um indivíduo mais fraco pode matar um mais forte, o mais forte pode matar o mais fraco. Essa igualdade é importante na teoria hobbesiana, pois se porventura existisse um homem superior aos demais ele seria por natureza o senhor de todos os demais homens.

Mas um estado de coisas como esse, ao qual Hobbes chama de estado de natureza, não pode subsistir para sempre. Os indivíduos vivendo nesta guerra de todos contra todos percebem facilmente que se trata de uma situação com riscos em potencial bastante iminentes: basta eu desenvolver alguma coisa que me facilite minimamente a vida para que eu me torne alvo de agressores. É claro que aos homens interessa poder ser o agressor mas ninguém quer ser o agredido, e por isso surge a necessidade de alguma espécie de garantia que impeça agressões aos indivíduos. E é por esse simples egoísmo – não querer ser agredido – que os indivíduos chegam à conclusão de que precisam abdicar de parte de sua liberdade em agredir: se ninguém for o agressor, ninguém será agredido. No entanto é preciso haver uma instância superior que garanta a existência e o funcionamento de um contrato (posto que é mútuo, conforme Hobbes expõe no capítulo XIV da obra) dessa natureza, e para isso é criado o Estado: um poder acima dos indivíduos cuja função é garantir o bem-estar dos indivíduos que se tornaram seus cidadãos em detrimento de suas liberdades individuais2.

É interessante notar como os indivíduos abrem mão de parte de seu direito (agredir outros indivíduos) em troca da auto-preservação (não poder ser agredido por outros indivíduos), e como o Estado tem uma origem tão egoísta. Pois é do egoísmo e do medo dos indivíduos que surge a disposição de abandonar parte de seu direito, e é desse abandono que surge o Estado. Mesmo que não houvesse tal disposição seria vantajoso para os indivíduos firmarem o contrato social entre si, como mostram as diversas variantes deste dilema nas Teorias dos Jogos – notadamente o Dilema dos Prisioneiros. Ou seja: mesmo que não houvesse o medo de ser agredido, ainda seria melhor negócio aderir ao contrato social e fazer parte de uma estrutura capaz de prover o indivíduo daquilo que ele não é capaz de produzir sozinho.

A teoria contratualista depende da suposta igualdade entre os homens. Se porventura existisse um homem em algum aspecto superior aos demais ele se imporia sobre os outros homens ainda no estado de natureza e governaria em função deste aspecto em que é superior aos demais. Por exemplo, se existisse um homem tal que ninguém pudesse matá-lo e que facilmente matasse os outros homens, ele não iria participar voluntariamente do contrato, já que ele está em nítida vantagem sobre os demais e, portanto, pode dominá-los facilmente. Mas como não há meio de forçá-lo a aderir ao contrato, temos que ele subjugaria os demais homens antes mesmo que o contrato fosse proposto e se intitularia soberano sobre os demais homens.

Portanto, para Hobbes o homem é naturalmente egoísta e mau, pois depende dessas duas características para sobreviver: a primeira para não fazer nada contra seu bem-estar, e a segunda para fazer todo o necessário para garantir sua vida. Mas é graças a essas características que os indivíduos acabam se organizando em Estados: pelo egoísmo de não poder mais ser vítima de agressões e pela maldade de impedir os outros indivíduos de cometê-las.


Conclusão


Não é difícil perceber que os dois autores adotaram concepções bastante similares sobre o que é o indivíduo: um ser que, por seu egoísmo e maldade, acaba se tornando o sustentáculo do Estado do qual é súdito. Seja por sustentar ou apoiar seu príncipe, seja por abrir mão de parte de seu poder para que outros tenham que abrir mão de igual parcela de poder, os indivíduos aparecem sempre como sendo iguais tanto nas qualidades quanto nas fraquezas e que por isso mesmo não trabalhariam em conjunto se não houvesse um motivo superior para tal. Para Maquiavel, esse motivo superior seria o poder do príncipe, que todos os cidadãos apóiam e sustentam; já para Hobbes esse motivo é a sobrevivência, pois é esta quem gera a necessidade de um Estado.

O indivíduo nas duas obras aparece como um sujeito bastante peculiar, posto que possui grandes poderes dos quais os Estados em que vivem são derivados. Sem a anuência e o assentimento dele, o príncipe não poderá governar sem temer uma revolução ou uma traição. Sem o cumprimento do contrato por parte do indivíduo, toda a teoria hobbesiana colapsaria, e o Estado se mostraria um mau negócio para os membros que permanecessem fiéis ao acordo. Ao mesmo tempo, o indivíduo está sujeito aos poderes que se derivaram de seu poder: enquanto aceito como tal, o príncipe possui liberdade para governar; e pelo simples fato de viver em um Estado o indivíduo abre mão de uma parte de seu direito em troca da segurança e das comodidades existentes na vida em sociedade.

Independentemente das diferenças, trata-se de duas concepções de indivíduo que divergem bastante das que vigoravam na Idade Média. Sob novos paradigmas pôde a sociedade ocidental encontrar novos rumos e avançar rumo à era em que estamos agora.



1 Como ele confessou a Lourenço de Médici na carta-introdução de O Príncipe.

2 Esta é uma descrição bastante simplista da teoria hobbesiana do contrato social, mas contém todos os elementos necessários para visualizarmos o papel que o indivíduo apresenta na gênese do Estado – portanto, servirá perfeitamente para os propósitos deste escrito.